03 dez 2018

Circovirose e a evolução dos diferentes genótipos circulantes

Apesar da circovirose (PCV2) não ser uma enfermidade recente, ela continua sendo um grande desafio para a produção de suínos, estando entre as três doenças de maior impacto econômico, uma vez que  abre portas para doenças secundárias em decorrência da imunossupressão causada, o que agrava o quadro.

O PCV2 está associado a diversas enfermidades sendo proposto o termo de doenças associadas ao circovírus suíno (PCVAD). A doença, caracterizada por ser multifatorial e que causa definhamento e lesões severas no tecido linfóide, foi diagnosticada no Brasil em 2000 e, rapidamente, observada em, praticamente, todas as áreas de produção intensiva de suínos, sendo hoje uma doença endêmica na suinocultura tecnificada. No entanto, um estudo retrospectivo demonstrou que a circovirose está presente no Brasil desde 1988, sem, na época, causar qualquer tipo de quadro clínico. O mesmo foi descrito na Espanha, também em um estudo retrospectivo, o qual avaliou isolado de tecido de leitões, e verificou que já havia presença do vírus desde 1985, antes mesmo de ocorrerem os primeiros quadros de circovirose.

Apesar de ser um vírus ssDNA, é considerado um dos vírus com maior capacidade de mutação. Em função disso, atualmente há a presença de seis diferentes genótipos de PVC2 já isolados, sendo esses representados por: PCV2a, PCV2b, PCV2c, PCV2d (antigo mPCV2b), PCV2e e PCV2f. Entretanto, os que possuem uma importância em quadros clínicos e subclínicos são PCV2a, PCV2b e PCV2d. Esta evolução ocorreu e vem ocorrendo de forma similar em diferentes países, sendo que, atualmente, no Brasil há um predomínio do PCV2d, entretanto, o PCV2b ainda possui um bom percentual de presença a campo, sendo a circulação atual do PCV2a é praticamente inexpressiva.

A excelente eficácia das vacinas comerciais utilizadas nos últimos anos fez com que os quadros clínicos reduzissem significativamente, permanecendo somente alguns poucos casos subclínicos, com redução de desempenho. Entretanto a partir de 2015, houve um aumento de quadros clínicos e subclínicos de circovirose mesmo em granjas vacinadas. Este aumento, mesmo que em menor proporção, foi atribuído a possíveis falhas vacinais. Ao isolar o PCV2 e realizar o sequenciamento, observou-se a presença de novos genótipos, e mais de um genótipo presente em um mesmo animal e/ou granja, o que indica que o aumento destes quadros clínicos possa ser decorrente de uma pressão de seleção por uso de vacina, entre outros fatores. Essas subpopulações de leitões formadas passam a ser um ponto de alerta, uma vez que podem albergar diferentes genótipos em baixa a média carga viral, sendo então fontes de recombinação, replicação e disseminação da doença na granja.

A homologia entre diferentes isolados de PCV2 é relativamente alta, embora haja uma alta diversidade entre as populações existentes, entretanto, análises de filogenia indicam que o PCV2b esteja mais próximo ao PCV2d quando comparado ao PCV2a, sendo sua homologia respectivamente de 95% e 93%. Estudos epidemiológicos em quadros clínicos demonstram que o PCV2b é mais virulento, sendo responsável pela maioria dos casos de PCVAD (65%), em planteis vacinados do que de PCV2a (13%).

As variações antigênicas entre os diferentes genótipos de circovírus foram comprovadas por diversos estudos, sendo relatado por muitos autores o início de quadros clínicos mais severos associados ao aumento dos genótipos b e d. Inicialmente, pensava-se que não houvesse diferenças antigênicas entre elas. No entanto, de 16 anticorpos monoclonais produzidos contra o PCV2a, quatro não apresentam reação alguma sobre o genotipo de PCV2b. Portanto, apesar das vacinas atuais baseadas em PCV2a conferirem proteção aos animais, provavelmente há alguma falha vacinal em termos de proteção frente à doença, fazendo com que os novos genótipos possam “escapar” da imunidade estimulada pelas vacinas PCV2a.

Novos surtos de doença sistêmica vêm sendo relatados, apesar de a vacinação ser amplamente utilizada nos últimos 10 anos. Embora a relação desses novos casos com o surgimento dos novos genótipos, principalmente, o PCV2b e PCV2d, ainda não esteja totalmente elucidada, supõe-se que sejam decorrentes de fatores relacionados à alta taxa de mutação/substituição do PCV2 associados a fatores intrínsecos ao manejo da granja, como: aplicação de meia dose, em somente parte do lote, em momento não adequado e falhas de aplicação. Todos estes fatores associados podem contribuir com a manutenção de uma média/alta carga viral circulante na granja, aumentando o percentual dessas subpopulações com baixa ou nenhuma resposta imune, que passam a ser fonte de recombinação, replicação e de transmissão de diferentes genótipos de PCV2, uma vez que plantéis onde há algum tipo de falha de manejo de vacinação este vírus tem a tendência de apresentar uma maior taxa de mutação.

Embora seja notável o aumento de quadros subclínicos e clínicos de circovirose a campo, ainda há um efeito positivo dos protocolos de vacinação atualmente utilizados com as vacinas comerciais presentes no mercado, mesmo que todas sejam baseadas no genótipo PCV2a, o qual, praticamente, não está mais em circulação. Entretanto, pelo fato do PCV2a diferir, em média, 10% entre o PCV2b e PCV2d na região de ORF2 agrava a preocupação em relação a proteção vacinal, e uma dúvida que permanece ainda não elucidada, até quando esta proteção será mantida?

Andrea Panzardi

Especialista Técnica em Aves e Suínos na Ourofino Saúde Animal

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