14 fev 2011

Feridas nos Equinos

Uma vez que, fisiologicamente, os equinos são animais preparados para fuga, mediante qualquer ameaça, as feridas ocorrem comumente nesta espécie. Tempo de evolução, integridade do suprimento sanguíneo local, grau de contaminação, localização da ferida, perda tecidual, porte do animal, ambiente em que se encontram, custo e efetividade configuram-se como fatores a serem considerados na escolha de estratégias terapêuticas. As feridas são lesões na pele, geralmente produzidas por ação traumática externa, cuja intensidade ultrapassa a resistência dos tecidos atingidos. Diante das mesmas, há de se considerar, além dos fatores acima citados, certas particularidades que dificultam a cicatrização, tais como inflamação crônica, exuberante desenvolvimento de tecido cicatricial, lenta epitelização e contração insatisfatória da ferida. Alguns fatores apresentam interferência na cicatrização, como:
- Nutrição: desnutrição, deficiências protéicas, vitamínicas, (principalmente C, K), e anemia;
- Alterações circulatórias que resultem em diminuição da oferta sanguínea;
-Hormônios: glicocorticóides, cujos efeitos anti-inflamatórios retardam a cicatrização;
- Infecções: a existência de infecção na área lesionada retarda a cicatrização;
- Fatores mecânicos: movimentação afastando os bordos;
- Corpos estranhos: suturas desnecessárias, fragmentos de aço, vidro ou até mesmo osso nas lesões impedem a cicatrização;
- Tamanho, tipo e localização: áreas ricamente vascularizadas e lesões pequenas cicatrizam mais rapidamente.

A formação do tecido de granulação (tecido rosado que se forma na cicatrização) é uma fase essencial para a reparação da ferida, apresentando importantes funções como o preenchimento do leito da lesão, barreira contra infecção e influxo local de células responsáveis pela contração da mesma. Idealmente, o tecido de granulação diminui sua proliferação conforme a ferida é preenchida e quando se inicia a contração, entretanto, nos membros dos equinos a proliferação se mantém por período indeterminado, resultando em um tecido de granulação exuberante, irregular e que ultrapassa os bordos da ferida. Embora a causa exata desencadeante da granulação exuberante não seja bem estabelecida, diversas pesquisas apontam fatores que contribuem para a sua formação, como:
- Localização: feridas em membro e em regiões articulares cicatrizam mais lentamente devido à movimentação constante;
- Persistência de infecção ou inflamação;
- Bandagens e gesso: diminuem a tensão de oxigênio e proporcionam ambiente com umidade;
- Tipo de tratamento: uso de agentes cáusticos e irritantes.

Em alguns casos, mesmo mediante ao tratamento adequado, feridas podem não apresentar cicatrização satisfatória mantendo a presença de granulação exuberante. Nestes casos, deve-se realizar um diagnóstico diferencial entre algumas enfermidades comuns nos equinos:
- Pitiose: é uma enfermidade crônica, cosmopolita, de áreas temperadas, tropicais e subtropicais, causada por um falso fungo (Pithyum insidiosum) presente em áreas alagadiças. Este agente penetra em feridas préexistentes causando lesões cutâneas, progressivas, granulomatosas, ulcerativas, intensamente pruriginosas, localizadas nas porções distais dos membros, região abdominal ou torácica. O curso clínico da doença varia de dias a meses e sua extensão depende do tempo de evolução das lesões. Casos clínicos são observados durante todo o ano, mas a maioria coincide com épocas de maior precipitação pluviométrica, acometendo animais de todas as idades, sexo ou raças.
- Habronemose Cutânea: é causada pela deposição de larvas de nematódeos (Habronema (majus) microstoma, Habronema muscae e Draschia megastoma), cuja transmissão é feita por moscas (Musca domestica e Stomoxys calcitrans) com maior ocorrência no verão. As lesões ocorrem nas regiões do corpo do animal que mais freqüentemente atraem as moscas como o canto medial do olho, pênis e prepúcio, além regiões com feridas preexistentes, mais frequentemente em membros. Macroscopicamente, há lesões na pele que variam de 5 a 15 cm de diâmetro, com superfície ulcerada; ao corte há um tecido esbranquiçado com áreas focais branco-amareladas e, ocasionalmente, focos mineralizados. A realização de biópsia permite a diferenciação entre pitiose e habronemose cutânea.
- Sarcóide: é o tumor de pele mais frequente nos equinos e, macroscopicamente, pode ser confundido com pitiose, pois a distribuição das lesões ocorre em locais similares como região distal dos membros, parte ventral do tronco e cabeça. As lesões observadas podem ocorrer nas formas verrucosa, fibroblástica, nodular, oculta e/ou mista. Na forma verrucosa geralmente são lesões pequenas, sésseis ou pedunculadas, com aparência semelhante a couve-flor; na  fibroblástica se apresentam como nódulos fibrosos bem circunscritos na derme, geralmente com ulceração da epiderme, predispondo a hemorragias e contaminação secundária, sendo a forma mais frequente; no tipo nodular são massas firmes sob a pele normal; já no oculto se apresentam como áreas circulares, sem pêlos e ásperas. Contudo, somente através de biópsia o diagnóstico definitivo pode ser encontrado.
- Carcinoma de células escamosas: é um tumor maligno, de células epiteliais escamosas, comum em animais domésticos. Os comprometidos geralmente são adultos ou idosos. O tumor tem sido encontrado nos mais diversos sítios, porém cada espécie apresenta estruturas de predileção. Sugere-se que a exposição a radiação solar seja um fator predisponente importante para o desenvolvimento, principalmente quando aliado a despigmentação da pele. Portanto, raças com maior predisposição são aquelas cuja região periocular apresenta despigmentação, como Apaloosa e Paint Horse. Os tumores podem ser erosivos ou proliferativos, apresentando alta vascularização, variando de uma placa de coloração avermelhada à um aspecto de couve flor que geralmente apresenta-se ulcerado. A colheita de material para biópsia, bem como a reunião do histórico animal são de suma importância no diagnóstico diferencial com as demais lesões cutâneas. Devido à elevada ocorrência de feridas em equinos, às particularidades na reparação tecidual nesta espécie e à semelhança macroscópica de algumas lesões, torna-se importante a elaboração de um diagnóstico adequado. A reparação cicatricial inadequada pode resultar, principalmente, em prejuízo econômico por afastamento dos animais da carreira atlética. Entender os princípios e limitações da cicatrização equina contribui para um tratamento efetivo com resultado funcional e com estética favorável. 

Daniel F. Pasquini

Coordenador Equinos Região Sudeste

Newsletter

Cadastre seu e-mail e receba nossa newsletter.


Deixe o seu comentário